Lavras da Mangabeira – Ceará
A cidade que foi dominada por uma mulher

Depois de 506 kms desde Cabedelo, a Transamazônica entra no estado do Ceará. Da divisa entre os dois estados, ainda percorremos aproximadamente 8 kms até o encontro com a BR 116. Daí em diante, por exatos 13 kms, a BR 230 e a BR 116 seguem unidas. Depois do entroncamento para Ipaumirim, a Transamazônica segue seu destino e 20kms depois se chega a Lavras da Mangabeira, cidade que hoje será o centro das nossas atenções.
Começamos por identificar a lógica do nome Lavras da Mangabeira, que é uma referência à mineração de ouro em meados do século XVIII, associado a uma árvore abundante na região, a mangabeira, que tem nome científico de Hancornia speciosa. Lavras da Mangabeira fica localizada no Cariri cearense e está distante de Juazeiro do Norte por cerca de 100 kms. Faz limites com Cedro, Icó, Umari, Baixio, Ipaumirim, Aurora, Caririaçu, Granjeiro e Várzea Alegre. Sua área territorial é de 945,263 km², com uma população medida no último censo de 2022 em 30.802 pessoas, o que gera uma densidade demográfica de 32,59 habitante por km². A população estimada pelo IBGE para 2025 é de 32.163 pessoas. A distancia de Lavras da Mangabeira para Fortaleza é de 434 kms.

A história de Lavras da Mangabeira começa com as primeiras penetrações no território, quando exploradores, subindo o rio Salgado, alcançaram a cachoeira dos Cariris, nativos do lugar da tribo dos Guariús, em fins do século 17. Os primeiros brancos que chegaram ao local eram mineradores procedentes de Pernambuco, Bahia e Paraíba. Estes formaram o primeiro núcleo de colonos, sem uma urbanização permanente. As supostas minas de ouro eram, na verdade, tentativas frustradas de enriquecimento. Delas, porém, surgiram várias cidades, dentre as quais Lavras da Mangabeira.
Em 1712, o governador de Pernambuco se interessou em iniciar a mineração no Cariri. Somente em 1752, de fato, o processo se iniciou. Não tardou a informação que correu de boca em boca sobre a existência de ouro abundante na Mangabeira. Ourives e mineradores vieram ao local fazer residência e levantaram casario de tapume. Entretanto, em 1758, Lisboa reclamava impostos e não estava sendo atendida, por isso voltou-se contra o comércio do ouro. Em 1767 a medida se estendia para todo o Brasil e o próprio tempo se encarregava de deslocar os mineradores para a vida de agropecuaristas. Mangabeira então vê seus primeiros moradores fixos e o lugarejo foi tomando ares de pequeno povoado progressista.

No início do século 18, nasce o distrito criado com a denominação de São Vicente Ferrer de Lavras de Mangabeira, por Resolução Régia, de 30 de agosto de 1813. Não demorou muito para sua independência. Elevado à categoria de vila com a denominação de São Vicente das Lavras, por Resolução Régia de 20 de maio de 1816, desmembrado do município de Icó. O novo município foi instalado devidamente 8 de janeiro de 1818. A condição de cidade só correu bem mais tarde, com a denominação São Vicente das Lavras, pela Lei Provincial nº 2.075, de 20 de agosto de 1884. Com a expansão da Estrada de Ferro de Baturité até a cidade do Crato, em 1917, no município de Lavras foram inauguradas três estações de trem: Arrojado, antigo Paino; na cidade de Lavras; e em Iborepi, antigo Riacho Fundo. Esta malha ferroviária representou o impulso para a economia local, principalmente porque a partir da estação de Paino, ou Arrojado, ligava o Ceará à Paraíba.
Ao longo de anos, o povo deu vários nomes ao lugar: Mangabeira, Lavras, São Vicente Férrer, São Gonçalo de Lavras. Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o município denominava-se simplesmente de Lavras. O nome atual só surgiu pelo Decreto-lei Estadual nº 1.114, de 30 de dezembro de 1943, quando Lavras passou a denominar-se Lavras da Mangabeira. Desde 1872, vários distritos são criados e anexados a Lavras da Mangabeira, muitos inclusive já viraram municípios e outros seguem nessa condição. Hoje, Lavras da Mangabeira é formado por 6 distritos: Lavras de Mangabeira – a sede, Amaniutuba, Arrojado, Iborepi, Mangabeira e Quitaiús. Os distritos de Amaniutuba, Arrojado, Mangabeira e Quitaiús chegaram a virar municípios em 1963, mas não foram instalados e extintos ficaram em 1965.

Lavras da Mangabeira tem inúmeros filhos ilustres, notadamente na cultura. Talentos como os músicos Gilberto Milfont, Francisco Araujo e Nonato Luiz, as artistas plásticas Sinhá d’Amora e Rosa Firmo Beserra Gomes, e os escritores Filgueiras Lima, João Clímaco Bezerra, Joaryvar Macedo, Dimas Macedo, Linhares Filho e Cristina Maria Couto, só para citar alguns, levaram o nome do município ao Brasil e ao mundo. Mas, até hoje, o nome que difunde Lavras da Mangabeira em todos os lugares é o de Fideralina Augusto Lima, matriarca que se destacou por sua atuação nos conflitos políticos da região do Cariri cearense, durante a Primeira República.
Fideralina nasceu em Lavras da Mangabeira, a 24 de agosto de 1832, e morreu a 16 de janeiro de 1919. Era a primeira filha de Isabel Rita de São José e do tenente-coronel João Carlos Augusto, antigo deputado à Assembleia Provincial cearense. Virou uma líder política e expressiva matriarca cearense, que teve papel relevante na Revolução de 1914, conhecida por Sedição de Juazeiro. Encarnou, no seu tempo, como poucos coronéis do Nordeste, as instituições da escravatura e do coronelismo, destacando-se como a principal figura lendária e mitológica de São Vicente Ferrer das Lavras da Mangabeira. Tornou-se símbolo do poder local e ficou conhecida pelo seu vigor, determinação das suas decisões e participação na vida política e social do Ceará, o que não era uma prática feminina na época. Foi casada com o major Ildefonso Correia Lima, e entre os fatos marcantes de sua vida destacam-se a detenção do poder político supremo em Lavras. Exemplo foi a derrubada do seu próprio filho, Honório Correia Lima, da chefia do partido governista local. Sobre essa coronela cearense, vale ler o livro Dona Fideralina Augusto – Mito e Realidade de autoria de Dimas Macedo.

Mas ao chegar em Lavras da Mangabeira, o visitante precisa entrar em contato com a vida cultural da cidade. Os principais eventos são a festa do padroeiro, São Vicente Ferrer, em 5 de abril, e a SEACE (Semana de Arte Cultura e Esportes) comemorada todo ano na semana de aniversário da cidade. Além disso, há a festa dos padroeiros nos outros cinco distritos. Nos finais de semana e feriados os músicos Viquinho e seus teclados, Rosivan, Nailton, Ciço Lifrat, Juscelino, Ivo Teles & Darly, Luís Seresteiro, Forrozão Gata Moral animam o ambiente, sem esquecer os poetas Zé Teles, Manoel de Mundoca, Mundoquinha, Zael de Besouro, Valdir Teles, dentre outros. O turismo movimenta a cidade graças às belezas naturais espalhadas por seu território, com destaque especial ao Boqueirão e a sua gruta, local de imensa beleza, e objeto de estudo e curiosidade em torno de suas inúmeras lendas.

É muito forte a relação de Lavras da Mangabeira com o Transamazônica, por estar a cidade localizada em um trecho importante da BR no sul cearense. Isso torna a cidade um ponto de passagem relevante para o transporte regional. Hoje, a trafegabilidade está normal, mas Lavras da Mangabeira não quer passar pelo susto de quando a ponte sobre o rio Salgado foi classificada pelo DNIT como estando em situação crítica, com risco tangível de colapso estrutural. O Denit reformou a estrutura na BR-230 no final de dezembro de 2023, incluindo a reforma das colunas inferiores e a renovação da parte superior, como laterais e acesso de pedestres, garantindo segurança para veículos leves, carros e motos, e o tráfego de veículos pesados. Além da BR 230, Lavras da Mangabeira é servida também pelas rodovias CE 153, CE 288 e CE 385.