Um Lugar no Sertão

Serrinha não é só vaquejada

Zelito Miranda

É muito difícil se fazer um documentário sobre a cidade onde você nasceu. Embora tenha saído da cidade há mais de quarenta anos, nunca cortei os laços que me prendem a ela, e isso pode influenciar na visão de mundo sobre o lugar. Embora seja um trabalho que me consumiu horas, aqui segue ao público da forma mais isenta possível. A história de formação da cidade de Serrinha, na Bahia, remonta aos seus primeiros habitantes, os indígenas da nação Cariri, mas sua organização urbana começou com a chegada dos colonizadores portugueses.

Serrinha fica localizada na entrada da chamada Região do Sisal, na zona de expansão da Região Metropolitana de Feira de Santana. Sua área territorial é de 583,311 km², onde vive uma população de 80.435 pessoas, números do censo de 2022, o que permite uma densidade demográfica de 137,89 hab/km². Faz limites com os municípios de Biritinga, Lamarão, Tanquinho, Santa Bárbara, Candeal, Ichu, Conceição do Coité, Barrocas e Teofilândia. A distância para Salvador é de 184 kms. e sua população estimada pelo IBGE para este ano de 2025 é de 84.690 pessoas.

Vicente Barreto

O início da colonização de Serrinha começa em 1715, quando o português Bernardo da Silva, comandante de uma expedição, chegou à região, dando início ao processo de organização do assentamento. No ano de 1838, a povoação é elevada à categoria de distrito, pela Lei Provincial n.º 67, de 1º de junho daquele ano, subordinado ao município de Purificação dos Campos, hoje Irará. Seu crescimento foi rápido e logo ficou independente, elevado à categoria de vila com a denominação de Serrinha pela Lei Provincial n° 1.069, de 13 de junho de 1876, sendo desmembrado de Purificação dos Campos. O novo município foi instalado em 11 de janeiro de 1877. Só faltava a sua condição de cidade, o que não demorou muito para acontecer. Em ato de 30 de junho de 1891, Serrinha conquista o status de cidade. Apesar de constituída de apenas o distrito sede, ao longo dos anos, várias povoações se formaram em seu território, além das anexações. Em divisão territorial datada de 1955, o município é constituído de 6 distritos: Serrinha – a sede, Araci, Barrocas, Biritinga, Itapiru (Teofilândia) e Lamarão. Todos viraram municípios e Serrinha tem apenas hoje o distrito sede.

Tasso Franco

O nome Serrinha deriva das pequenas elevações que cercam o município, formando uma paisagem característica. Atualmente, a cidade é um importante polo regional e é nacionalmente reconhecida como a “Capital da Vaquejada” no Brasil, um evento cultural de destaque que começou em 1967 e é sempre realizado por volta do mês de setembro. A importância do evento é tão grande que tem um bairro inteiro que nasceu sob a influência da festa: o bairro da Vaquejada. Mas essa não é a cidade de festa única. Além do evento do Parque Maria do Carmo, o município realiza festas juninas, carnaval e ainda tem a festa religiosa da Procissão do Fogaréu, da 5ª Feira da Paixão, que segue até o Santuário de Nossa Senhora Santana, no Morro da Santa.   

E por falar em Procissão do Fogaréu, as encenações sobre o sofrimento de Cristo era um espetáculo à parte. Eu nunca participei diretamente da montagem, mas colegas do antigo Grupo Criarte, da época de Fernando Peltier: Urias, Dego, Murilo, meu irmão Raimundo, Edivaldo, Mônica, Graça e tantos outros lá estiveram colocando em prática os ensinamentos da arte teatral. No jornalismo, tivemos O Serrinhense, de Bráulio Franco, e vários outros veículos. Também Serrinha viveu a época de ouro do rádio. Sua primeira emissora foi a Rádio Difusora de Serrinha, nas vozes de Paulo Santana, Nelson Lopes, Paulo Andrade, Ademário e tantos outros, onde eu também iniciei meu caminho pelo jornalismo. Já que falamos em arte, o artista plástico mais conhecido de Serrinha é Edson Silva Peixinho, popularmente chamado de Maninho Pintor. Ele é reconhecido por sua pintura naif e por ter criado o brasão e a bandeira do município. Natural de Monte Santo, vive em Serrinha desde 1956 e sempre produz obras em óleo sobre tela que retratam figuras populares e paisagens do sertão baiano.

Maninho Pintor

Apesar de tanta riqueza, Serrinha sempre foi uma cidade pobre, com forte concentração de renda. Meia dúzia de ricos dividem entre si tudo o que se produz de forma diversificada. É um centro econômico regional do semiárido baiano que abrange setores como a agropecuária, o comércio, serviços e a indústria. Estes setores são pilares da economia para atrair consumidores de municípios vizinhos. São feiras livres, mercados, bancos, restaurantes, hotéis e até um shopping center. O setor de serviços também é impulsionado por ser a cidade um polo educacional e de saúde regional, abrigando unidades da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e um hospital municipal de referência, apesar das deficiências conhecidas. A atividade industrial é voltada principalmente para a produção de calçados e confecções, bem como para a extração mineral, incluindo argila, granito, manganês e ouro.   

Ney Lima

Ainda sobre a economia, em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) do município foi de aproximadamente R$ 1,08 bilhão, com um PIB per capita de R$ 13.303,20, o que revela uma gritante desigualdade. O escoamento de toda produção fica a cargo das rodovias BR 116, BA 233 e BA 211. Precisamos registrar que, antes das estradas, a cidade era servida pela Estrada de Ferrovia Leste Brasileiro. A estação de trem era ponto de partida e de chegada de pessoas e mercadorias e fez parte da história do município desde 18 de novembro de 1880, como trecho da antiga Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco. Os trens de passageiros em Serrinha, funcionaram até meados da década de 1990, sendo desativados definitivamente por volta de 1996, durante a gestão da RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A. Nasci em Serrinha na Rua da Estação, na casa do saudoso vereador José Felipe da Anunciação, o Zé de Sindé, casado com minha Tia Djanira, ainda viva e firme, aos 92 anos. O prédio atual da estação foi construído em 1943.

Rubem Nogueira

Como a riqueza é concentrada, muitos precisam sair para ganhar a vila lá fora. Outros ficam e esperam a sorte. Seja como for, Serrinha tem muitos filhos ilustres que dão orgulho ao seu povo. Comecemos por Rubem Rodrigues Nogueira, advogado, professor, político e escritor nascido em Serrinha, em 1913. Ele teve uma carreira marcante na vida pública e intelectual da Bahia e do Brasil. Filho de Luís Osório Rodrigues Nogueira, ex-intendente de Serrinha – e Áurea Ribeiro Nogueira, professora. Estudou em escolas públicas de Serrinha e depois no Colégio Antônio Vieira, em Salvador. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Bahia em 1937. Atuou como advogado, foi Procurador-Geral de Justiça da Bahia, professor de Direito na Universidade Católica do Salvador, deputado estadual constituinte, em 1947, deputado estadual e deputado federal até 1971. Por isso tudo, é justíssimo que o antigo ginásio da cidade leve o seu nome. Faleceu em Salvador, em 25 de janeiro de 2010, aos 96 anos.

Na música há vários serrinhenses de sucesso, mas destaco Vicente Barreto, compositor, violonista e produtor musical baiano, nascido em Salgadália – distrito de Conceição do Coité, mas criado em Serrinha, vindo morar aqui aos 3 anos.  Ele é conhecido por suas parcerias com grandes nomes da MPB, como Alceu Valença e Vinicius de Moraes. Morena tropicana, Cabelo no pente, Pelas ruas que andei e tantas outras foram composições de sucesso. Lançou 12 discos ao longo da carreira e deu sua contribuição à música popular brasileira.  O outro é Zelito Miranda, cantor, compositor e ator baiano, nascido em Serrinha, conhecido como o Rei do Forró Temperado. Participou do grupo Novos Bárbaros, sucesso nos anos 1980. Ele teve mais de 40 anos de carreira e deixou um legado marcante na música nordestina. Nasceu em 30 de agosto de 1954, em Serrinha, e faleceu em 12 de agosto de 2022, em Salvador, aos 67 anos. Gravou mais de 200 músicas ao longo da carreira.

Se filho de peixe peixinho é, no jornalismo destaco Tasso Franco. É escritor e cronista, conhecido por sua atuação na imprensa da Bahia e por obras que retratam a vida e a cultura de Salvador e do interior do estado. Filho do extraordinário Braulio Franco, que tive a oportunidade de conhecer e contar com sua criatividade. Tasso hoje tem o seu jornalismo digital, o Bahia Já, e canal no YouTube, o Sêo Franco. Publicou uma série de livros. Autor que resgata memórias e personagens de Serrinha e da capital baiana, como O Andarilho da Cidade da Bahia – que reúne 33 crônicas sobre Salvador e o cotidiano baiano, e A Cidade da Bahia, obra que evoca lembranças e afetos de Salvador. Recentemente lançou o livro de contos O homem verde do ginásio, com histórias do imaginário popular serrinhense. Atuou por décadas no Tribuna da Bahia, sendo homenageado pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI) por sua contribuição ao jornalismo regional.

Clique na imagem para assistir ao documentário no YouTube.

E para encerrar aqui a lista dos seus filhos ilustres, pedindo perdão por ela estar longe, muito longe de estar completa, citamos Ney Lima, nome artístico de Claudinei Lima dos Santos. Comediante, influenciador digital e youtuber nascido em Serrinha, conhecido por seus vídeos de humor sobre o cotidiano nordestino. Nasceu em 25 de outubro de 1996, em Serrinha, e tem atuação destacada na sua carreira, toda ela construída na Internet. Começou a publicar vídeos em maio de 2017, com conteúdo humorístico sobre a vida simples e situações do dia a dia. Seu estilo irreverente e autêntico rapidamente conquistou o público, acumulando mais de 10 milhões de visualizações em menos de um ano. Hoje, seu perfil no Instagram já conta com mais de 5 milhões de seguidores. Ney Lima ficou conhecido por transformar sua rotina humilde em conteúdo cômico e inspirador. Já apareceu em programas de alcance nacional, como o Fantástico, da TV Globo e teve participação no cinema nacional.

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