Poder tem limite, Eriksson!

Em Ribeira do Pombal, a Câmara Municipal do município aprovou uma lei elevando salários de secretários municipais acima do teto legal, e de forma inconstitucional, já que aumento de subsídios de agentes públicos só pode ser majorados numa legislatura para valer na seguinte. A irregularidade foi denunciada pelo opositor Brenno de Dadá e divulgada pelo Conexão Diário, da comunicadora Érica Anjos. O fato, escancaradamente visto como uma burla às normas públicas, levanta um questionamento: até onde vai o nível de desfaçatez de inúmeros políticos quando se trata de meter a mão no dinheiro público para se beneficiar?
A resposta pode estar na filosofia de vida. Dizia minha avó que quando criamos cobras e a alimentamos, um dia ela vai querer mais e mais, até o dia em que passará a ver o nosso ato de servir como um direito seu e nos olhar como o alvo de sua ira. Empanturrados de poder, os homens podem se achar no direito de determinar o que fazer com os recursos públicos e se apoderar de uma boa fatia deste bolo, distribuindo-os ao seu bel-prazer. E isso é apenas uma fase inicial. Um dia, estes passarão a determinar os limites do estado e da liberdade das pessoas. Vladimir Putin já faz isso na Rússia, a ponto de determinar que a Urânia é parte da federação russa. Outro exemplo é Donald Trump, que quer o Canadá anexado aos EUA e interferir na autonomia das universidades daquele país.
Para chegarem ao intento, burlam leis ou criam outras para justificarem suas ações. E aí entra Michel Foucault, um filósofo, historiador das ideias e teórico social francês, nascido em 1926 e falecido em 1984. Ele revolucionou o pensamento contemporâneo ao analisar a relação entre poder e conhecimento, mostrando como as instituições sociais utilizam essas forças para controle e disciplina. Ele investigou como os problemas humanos são construídos e amplificados pelas estruturas sociais porque estas determinam como as pessoas interagem, quais papéis desempenham e quais recursos têm acesso. A estrutura social define normas, expectativas e desigualdades que podem intensificar desafios individuais e coletivos. Em Ribeira do Pombal, o grupo encastelado no poder, farto de benesses, quer mais. Está criando suas próprias leis para satisfazer a fome de poder que os devora. Para isso, os poderes no município são harmônicos e interdependentes entre si.
Não é porque o prefeito Eriksson Silva massacrou os adversários nas urnas que ele pode burlar as leis e determinar o fluxo dos recursos públicos para um nicho de protegidos. Isso é perverso porque concentra riqueza num determinado ponto social e gera desigualdade, limitando o acesso à educação e saúde, tornando problemas como pobreza e doenças mais difíceis de superar. Além disso, usando o próprio Foucault, as relações de poder dentro da sociedade podem criar barreiras para certos grupos, dificultando sua mobilidade social e aumentando tensões sociais. Ou seja, poder demais a um só grupo pode ameaçar a própria democracia.
Este alerta não é de agora. Platão, se referindo à democracia ateniense, argumentava que ela poderia levar à tirania da maioria à corrupção. Aristóteles via a democracia como uma forma legítima de governo, mas alertava para os riscos da demagogia e da instabilidade política. Maquiavel enfatizava a importância do poder e da estratégia política, destacando que a manutenção do Estado muitas vezes exigia ações pragmáticas. Aumentar salários inconstitucionalmente não é pragmatismo, é ilegalidade. Jean-Jacques Rousseau defendia a democracia direta, onde os cidadãos participam ativamente das decisões políticas. Nossos vereadores são os representantes diretos do povo, mas se curvam às vontades do Executivo. E por fim, Nietzsche questionava as estruturas de poder e a moralidade imposta pela sociedade, sugerindo que a democracia poderia ser uma forma de controle social, mas sem burlar leis.
Sim, é claro que o prefeito Eriksson Silva não foi adiante e revogou a lei por decreto, o que é também irregular. Ele deveria antes ter vetado a decisão da Câmara Municipal e procurado os caminhos da legalidade, mas preferiu agir como um autocrata. E aqui está o fecho da questão: o perigo da democracia. Ela é tão fantástica que um homem ou mulher eleitos por ampla maioria pode se achar no direito de burlar a própria democracia, colocando suas vontades acima dos seus limites como funcionários do público. Todo o poder dos agentes públicos é temporário e limitado por leis. O único poder soberano e o do povo e em seu nome deve ser exercido. Está lá na nossa Constituição. Basta segui-la.