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Dinheiro escondido em sapato, na Bahia, e a Associação Moriá, em Brasília. O Centrão devora emendas!

Mais uma vez, parentes do deputado Elmar Nascimento, de Campo Formoso-Ba, envolvdios em desvios de recursos de emendas parlamentares. (Foto: divulgação)

Com reportagem de Vanilson Oliveira, o jornal Correio Braziliense traz notícia sobre a a quinta fase da Operação Overclean. A Polícia Federal (PF) investiga um esquema de fraude em licitações, desvio de recursos públicos oriundos de emendas parlamentares, corrupção ativa e passiva, além de lavagem de dinheiro. Durante as buscas realizadas no município de Campo Formoso (BA), os agentes apreenderam cerca de R$ 10 mil em espécie, encontrados escondidos dentro de um par de sapatos na residência do vereador Francisquinho Nascimento (União), primo do deputado federal Elmar Nascimento (União-BA), um dos principais líderes do Centrão no Congresso Nacional.

A cena chamou atenção dos investigadores por remeter a episódios anteriores. Em dezembro do ano passado, o próprio vereador foi preso após atirar pela janela de casa uma mala contendo mais de R$ 200 mil em dinheiro vivo durante uma abordagem policial. Na ocasião, Francisquinho foi liberado após passar poucos dias preso. Além do vereador, o irmão do deputado, Elmo Nascimento, prefeito de Campo Formoso, também foi alvo de mandados de busca e apreensão. Ao todo, a operação cumpriu 18 ordens judiciais em diferentes municípios da Bahia.

Mas não é só na Bahia que o Centrão faz das suas. O ministro Flávio Dino intima AGU e Câmara sobre emendas parlamentares a entidade do DF. O ministro cobrou explicações a respeito de repasse de R$ 74 milhões a organização dedicada a jovens do Distrito Federal. Somente o deputado federal Fred Linhares (PL-DF) liberou R$ 27 milhões. Flávio Dino determinou ontem a intimação da Advocacia-Geral da União (AGU), da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para que expliquem oficialmente o repasse de R$ 53,3 milhões da bancada do Distrito Federal à Associação Moriá, entidade suspeita de irregularidades na aplicação de recursos públicos. No montante total, foram destinados cerca de R$ 74 milhões em emendas. A Associação Moriá informou ter recebido pouco mais de R$ 18 milhões, entre 2023 e 2024.

Segundo o despacho do ministro Dino, é preciso investigar se a ONG tem estrutura operacional adequada, já que foi beneficiária de vultosos repasses via emendas parlamentares. A Moriá conta, em seu corpo de funcionários, com um ex-cabo do Exército, uma esteticista, um motorista e uma técnica de enfermagem, profissionais com formações distintas e sem relação direta com gestão pública ou execução de projetos sociais. O ministro destacou que, caso confirmadas as irregularidades, as transferências de recursos podem ser bloqueadas. Alertou para o descumprimento dos preceitos constitucionais de transparência e rastreabilidade, determinando ainda prazo até 12 de agosto para que o Poder Executivo e o Congresso Nacional apresentem medidas normativas capazes de restringir destinação a entidades sem sede física comprovada, sem equipe técnica qualificada ou sem histórico de atuação.

Entre 2023 e 2024 foram destinados à Associação Moriá cerca de R$ 74 milhões. A maior parte da verba foi reservada para o custeio de um projeto de formação de jovens para o mercado de eSports, com cursos sobre jogos como Free Fire e League of Legends. O deputado federal Fred Linhares (Republicanos) foi quem mais enviou recursos. Ele liberou R$ 27,6 milhões, o senador Izalci Lucas (PL) enviou R$ 15,5 milhões, a deputada federal Bia Kicis (PL), R$ 1,5 milhão, o deputado federal Júlio César (Republicanos) liberou R$ 800 mil e a deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania) repassou R$ 500 mil.

O deputado Fred Linhares foi quem mais destinou recursos à Associação Moriá, de Brasilia-DF. (Foto: divulgação)

A Associação Moriá informou, por nota, que o valor efetivamente recebido em 2023 e 2024 foi de R$ 18,3 milhões. Segundo a associação, em 2023 foram pagos R$ 499,9 mil para a realização dos Jogos Estudantis Digitais de Brasília/DF (Jedis-DF); R$ 7,5 milhões para o Circuito de Jogos Digitais no Distrito Federal; e R$ 3,1 milhões para a produção Realização dos Jogos Estudantis Digitais do Acre (Jedis-Acre). Em 2024, a entidade afirma ter recebido R$ 6,7 milhões, aplicados em ações de Vigilância em Saúde no Acre; R$ 150 mil na realização do Projeto Feira e Viola em Feiras do Distrito Federal; e R$ 250 mil na implementação do Projeto Enem de Verdade em Samambaia (DF), para jovens entre 15 e 29 anos.

O jornal Correio Braziliense entrou em contato com parlamentares responsáveis pelas emendas. Eles negam irregularidades. A deputada distrital Paula Belmonte informou, por nota, que o aporte atendeu a um projeto educacional consolidado. “Os recursos de emenda parlamentar foram destinados a um projeto social apresentado pelo professor Marcos Pacco, um educador reconhecido em todo o Distrito Federal, focado no atendimento de crianças, adolescentes e de pessoas com deficiências (PCDs) na rede pública de ensino”, esclareceu. Segundo a assessoria da deputada, a indicação dos recursos seguiu parecer técnico regular, e a Belmonte acompanhou pessoalmente a iniciativa. “Após a execução da emenda, a deputada acompanhou a realização do projeto. Em uma das ocasiões, em agosto de 2024, a deputada esteve no Centro Educacional (CED) 14 de Ceilândia, no Setor O, para o lançamento dos Jogos Estudantis Digitais de Brasília, realizados com recursos da emenda”, informa a assessoria. Há fotos da parlamentar visitando o projeto.

Já o senador Izalci Lucas (PL), responsável por R$ 15,5 milhões em emendas, defendeu a regularidade do projeto. Por meio nota, disse: “O Jesis-DF é uma iniciativa da Associação Moriá, realizada em parceria com o Instituto Federal de Brasília (IFB) e o Serviço Social do Comércio (Sesc), e sua execução se dá por meio do Ministério do Esporte, que aprova e executa”, detalhou o parlamentar. O deputado federal Fred Linhares (PL), que destinou R$ 27,6 milhões à Moriá, ressaltou que apenas indicou os recursos. Segundo a nota, ele afirma que seu papel se “restringe à indicação de recursos ao ministério competente, responsável pela análise técnica, aprovação e execução do projeto apresentado pela entidade proponente”. Segundo Linhares, “cabe exclusivamente ao governo federal, por meio dos ministérios, avaliar a viabilidade do projeto, atestar a capacidade técnica da instituição e autorizar a liberação dos recursos. O parlamentar não participa da contratação da entidade nem da execução do projeto, que é acompanhada pelos órgãos de controle interno e externo”. Os deputados federais Bia Kicis e Júlio César, que destinaram respectivamente R$ 1,5 milhão e R$ 800 mil à Associação Moriá, não se manifestaram até o fechamento da reportagem.

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