Desejos, delicias e dissabores nas veredas dos Sertões
Eraldo Neves*

Chegou-me às mãos Cariri Sangrento, primeiro volume de uma trilogia fictícia, do professor, escritor e jornalista Landisvalth Lima. Publicada em formato impresso e digital pela editora portuguesa Chiado, e disponível para comercialização na plataforma Amazon.com.br, Cariri Sangrento é um livro certo na prateleira de todo curioso e/ou admirador das “Estórias dos sertões” do Nordeste brasileiro.
A obra está dividida em 13 capítulos, ordenados em sequência lógica, escrita em terceira pessoa, onde o narrador onisciente perscruta o perfil psicológico de seus personagens. O intento é colocar o leitor a par do universo social, psíquico-cultural em que seus personagens estão inseridos. Vejo nessa estratégia uma tentativa de encontrar explicações plausíveis para os atos por eles praticados.

O Enredo conta a “saga” de três rebentos da família Alencar Rego, tendo por base a ocupação do território sob domínio da Casa da Torre, de Garcia D’Ávila, desde Salvador. Com maestria, o escritor faz o relato minucioso do itinerário dos lusitanos desde o seu translado de Portugal, passando pelos sertões baianos até seu estabelecimento na região do Cariri, com o arrendamento de terras para criação de gado.
Merece destaque também a presença de Maria Boqueirão, personagem que simboliza muito da força da mulher sertaneja. Destemida, “indomável” e corajosa, Maria Boqueirão é uma infringidora dos códigos de condutas patentes no universo social em que se encontra inserida, diferente das outras personagens femininas que povoam o romance, cuja característica principal é a cega obediência aos seus senhores.
Mostrando profundo conhecimento vivencial do espaço geográfico e social descrito, bem como dos eventos históricos dos quais a região foi palco, sem desconsiderar os problemas sociais advindos da herança deixada por uma luta sangrenta e desigual entre as três principais matrizes raciais, formadoras do povo brasileiro (o branco, o negro e o índio), o escritor faz o leitor viajar pelos embates entre fazendeiros, escravos e índios , com destaque para a guerra dos cariris, para o conflito em Palmares, pelo papel dos bandeirantes e da Igreja católica na constituição de uma sociedade escravagista e católica no Brasil.
Também nela está presente a imaginária revolta de Mandu Ladino, um indígena “domesticado” pela catequese de um padre capuchinho em sua “missão civilizatória”. O personagem em destaque se torna símbolo da luta dos povos indígenas ao liderar sua gente em diversas batalhas que, muito mais que vingar os seus, demonstra o desejo de uma existência mais justa e ordeira para sua gente.
Neste ponto, encontra-se o aspecto mais frágil da narrativa à medida que o imaginário indígena fica um pouco “limitado” a uma leitura do confronto pelo viés “civilizador”. O relato desconsidera um pouco o significado de alguns símbolos e ritos do índio diante da guerra como, por exemplo, o extremo respeito e reverência por líderes opositores, tão explorado pelo colonizador. Nada, entretanto, que desabone a grandiosidade da obra, afinal estamos diante de uma obra literária e não de um minucioso estudo de um perito no universo indigenista.
Com uma narrativa clara, concisa e recheada de sangue e sexo no sertão, Cariri sangrento é um convite ao leitor a adentrar o universo sertanejo onde a boiada, o campo e o vaqueiro são personagens sempre presentes. A obra é marcada pela verossimilhança que, na linguagem dos peritos, é a característica que a arte tem de estabelecer semelhanças com o mundo real.
Cariri sangrento é um livro para se ler com um sorriso nos lábios ou uma lágrima no olhar, a depender do personagem preferido do leitor ou do ponto de vista adotado. Ao final, resta a extrema curiosidade pelo desenrolar da trama nos próximos volumes vindouros.
*Professor da rede estadual de Sergipe, Licenciado em História e Mestre em Antropologia pela UFSE.