Dois processos eleitorais de Heliópolis decididos por unanimidade e embargos negados!

Está difícil a vida da oposição na Bahia, notadamente no município de Heliópolis. Quase nada passa na Justiça Eleitoral do estado da Bahia quando se trata questionar os poderosos de plantão. Em Ribeira do Pombal, a única decisão tomada foi a que cassou o mandato de um vereador da oposição por suposta fraude na cota de gênero. A Súmula 73 só foi aplicada aos opositores dos inquilinos do poder. Os processos seguem para Salvador e lá quase tudo está sendo decidido por unanimidade, o que cria uma fumaça sobre a aplicabilidade isenta da Lei. Os dois processos julgados em Ribeira do Pombal, promovidos por Thiago Andrade contra José Mendonça Dantas e a cota de gênero na chapa de vereadores do MDB, foram negados pelo TRE-BA por unanimidade. Os advogados entraram com embargos e também foram rejeitados.
O processo que trata do abuso de poder econômico e compra de voto é o de nº 0600320-75.2024.6.05.0110. Na sentença colegiada do TRE ficou dito que “(…) não se desincumbiu a parte autora de provar o desvio de finalidade das nomeações cujos decretos acompanham a peça inicial em benefício da campanha eleitoral de JOSÉ MENDONÇA DANTAS e JOSEFA SIMONE ALVES NASCIMENTO nas Eleições de 2024, não restando configurado o abuso de poder político.” Ou seja, contratar 60% a mais de pessoas no ano da eleição não tem como objetivo obter vantagem eleitoral. É capaz até de argumentarem que os contratados eram todos adversários e que só levaram em conta a melhoria dos serviços públicos para que o processo eleitoral ocorresse em perfeita harmonia. Os advogados Vinicius Andrade Alves Nascimento, Allan Oliveira Lima e David Oliveira Gama entraram com Embargos de Declaração para tentar reverter a decisão colegiada. A decisão ficou a cargo do Des. Abelardo Paulo da Matta Neto, presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, que aplicou a Súmula – TSE nº 24, onde está decidido que não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório. Trazendo para o nosso Português, não dá pra recorrer a essa decisão só pra discutir de novo os fatos e as provas. Vale acrescentar que os advogados não foram ouvidos e que tudo foi decidido virtualmente. Também aplicou a Súmula – TSE nº 28 que deixa claro que só dá pra usar esse tipo de recurso quando a pessoa mostra direitinho que existem decisões parecidas, com fatos iguais, que foram julgadas de forma diferente. Tem que comparar bem uma com a outra para provar que há contradição. Assim, o desembargador negou o recurso especial.
O outro processo é o de nº 0600556-27.2024.6.05.0110, que trata da cota de gênero da chapa de vereadores do MDB de Heliópolis. Aqui, como as provas são robustas, a tática foi usar a velha frase em latim, mais cansada que caminhão carregado subindo a BA 393 no Tijuco em época de muita lama: in dubio pro sufrágio. Ou seja, na dúvida, vale o resultado das urnas. Só que o povo de Heliópolis sabe que não há dúvida nenhuma. É a típica decisão completamente distante da realidade e que foi tomada por unanimidade. Nenhum juiz ousou questionar a não aplicação da Sùmula 73 do TSE. Mais um a vez os advogados entraram com embargos e o recurso caiu na mão de uma mulher, a juíza Maízia Seal Carvalho. O que ela disse é uma pérola para lembrarmos sempre quando duvidarmos da seriedade dos nossos juízes: “Sucede que este Tribunal debruçou-se detidamente sobre os autos, formando o seu convencimento sobre o direito aplicável ao caso e, ao fazê-lo, concluiu, fundamentadamente, que “à falta de elementos que confirmem a fraude à cota de gênero e a intenção de desnaturar a igualdade entre candidaturas femininas e masculinas, a qual o legislador buscou alcançar minimamente, e apreciando o caso à luz do princípio, não se pode presumir a ocorrência do ardil invocado na peça vestibular, o que revela o acerto da decisão combatida.” A magistrada disse, pois, que o tribunal analisou tudo com calma e que não apareceu nenhuma prova de fraude contra a cota de gênero e nem ficou claro que alguém tentou burlar a regra. Enfim, nunca houve trapaça. A falta de campanha, o fato de uma das vereadoras fazer campanha para um outro candidato e as prestações de contas na base do copia e cola não foram vistas por nenhum dos membros do TRE-BA. Por isso, a decisão foi também negar o recurso.

O que o TRE da Bahia passa para o público com tantas decisões por unanimidade, contrariando súmulas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levanta algumas hipóteses preocupantes — e interessantes. Primeiro é que parece não haver pluralidade de pensamento. A ausência de votos divergentes pode indicar que os julgadores não estão exercendo sua independência crítica, o que é essencial para a legitimidade das decisões judiciais. Também passa a ideia de haver pressão institucional ou alinhamento político, com clara influência externa ou interna que leve os membros da corte a decidirem em bloco, especialmente em temas sensíveis como inelegibilidade ou cassação de mandatos. Também esse desrespeito à jurisprudência superior, contrariando súmulas do TSE – que consolidam entendimentos firmes sobre temas eleitorais – pode indicar que a corte estadual está ignorando precedentes obrigatórios, o que fere o princípio da hierarquia judicial e da segurança jurídica. Ao fim e ao cabo, tal comportamento coloca em risco a imparcialidade e a transparência. A unanimidade constante pode gerar desconfiança na sociedade sobre a imparcialidade da corte, especialmente se as decisões favorecem determinados grupos políticos.
Vale lembrar que a Súmula 73 do TSE trata da fraude à cota de gênero, exigindo que pelo menos 30% das candidaturas sejam femininas de forma efetiva — não apenas formal. Ela estabelece critérios objetivos para identificar candidaturas fictícias, como votação zerada ou insignificante, ausência de campanha e prestação de contas padronizada. E há verdadeiramente inúmeros subterfúgios para aplicá-la na Bahia, principalmente contra os encastelados no poder. Sabe-se que sua complexidade probatória exige análise de elementos concretos do caso — o que pode ser subjetivo. Nem sempre é fácil provar que uma candidatura foi “laranja” quando a burla é bem feita. Mas uma candidata não pediu voto, sua votação foi insignificante e a prestação de contas e exatamente igual a outra. Nesse caso não há dúvida! O que há é resistência política porque muitos partidos ainda tratam a cota como obrigação burocrática, e não como instrumento de inclusão. Isso gera tentativas de burlar a regra sem deixar rastros evidentes, o que não é o caso de Heliópolis. Tudo foi feito às claras porque tinham certeza da impunidade.
O que se percebe, no mínimo, é que há muitas interpretações flexíveis nos TREs. Alguns tribunais regionais têm sido mais lenientes na aplicação, exigindo provas robustas e ignorando indícios que o TSE considera suficientes. O que se vê também é o medo de instabilidade eleitoral. Aplicar a súmula pode levar à cassação de chapas inteiras e recontagem de votos. Isso gera receio de decisões que possam alterar drasticamente o resultado das eleições. E tudo isso acontece por falta de fiscalização prévia. A Justiça Eleitoral costuma agir de forma reativa, após denúncias ou ações judiciais. Isso permite que fraudes passem despercebidas no registro inicial das candidaturas. O que falta mesmo é coragem institucional de aplicá-la com rigor, a mesma coragem que falta na hora de combater a corrupção.
Apesar dos obstáculos na implantação da Súmula 73, o próprio TSE tem adotado postura mais firme nos últimos anos. Em decisões recentes, o Tribunal tem reafirmado que a mera ausência de campanha já pode ser suficiente para presumir fraude — cabendo ao partido demonstrar a efetividade da candidatura. Em Valença do Piauí, o TSE cassou toda a chapa por entender que houve candidatura “laranja” para burlar a cota. A Súmula 73 não é apenas um mecanismo técnico; ela é um instrumento político de inclusão e igualdade. Fraudar a cota de gênero significa negar espaço real às mulheres na arena democrática — e isso tem impacto direto na representatividade. Esperemos agora o TSE na sua decisão final.