Fátima – Ba: A origem foi a Maria Preta

Em mais um novo episódio de Um Lugar no Sertão, Contraprosa hoje tem a satisfação de mostrar um pouco do município de Fátima. Como professor, tive o prazer de lecionar na cidade por mais de 10 anos, ministrando aulas de Língua Portuguesa no antigo Colégio Estadual Nossa Senhora de Fátima, local onde hoje funciona a Prefeitura Municipal. O município está localizado no Nordeste baiano e tem uma área territorial de 368,342 km², onde vive uma população de 17.895 pessoas, gerando uma densidade demográfica de 49,11 habitantes por km². Fátima faz limites com Cícero Dantas, Heliópolis, Adustina, Antas, todos em território baiano, e Poço Verde, no estado de Sergipe. A distância para Salvador é de 319 km e o IBGE estimou sua população para este ano de 2025 em 18.480 pessoas.

A história de Fátima começa pelos índios Quiriris, habitantes primitivos do lugar. A ocupação é iniciada com a chegada dos vaqueiros, por volta do início do século XVIII, a partir da posse de vastas áreas de terras sob o domínio da Casa da Torre. A saturação das terras litorâneas, utilizadas para a lavoura canavieira, contribuiu para o avanço em direção ao interior, na busca de terras para a criação de gado. Além disso, há relatos de negros que fogem do litoral e buscam os sertões para a consolidação da liberdade. Entretanto, a fixação de comunidades permanentes ocorre a partir da posse das terras. Foi a presença de um fazendeiro chamado Severo Correia de Souza, dono da fazenda Maria Preta, o embrião da formação do lugarejo que um dia seria a cidade que é hoje. A fazenda estava localizada exatamente onde hoje está encravada a cidade de Fátima.

Mas a chegada dos colonizadores começa pelos rios. Ocupavam os espaços mais próximos aos leitos de água e os lugares mais afastados dependiam do tamanho da coragem e disposição dos posseiros. Muitos chegaram nessa região a pés e aqui foram ficando. Além disso, havia os indígenas, que nem sempre eram amistosos e aí a pólvora era a tecnologia usada para a morte ou expulsão. Com o espaço conquistado, currais eram construídos e o gado espalhado por léguas. Tudo se mostrava muito difícil desde a vegetação, os terrenos de difícil acesso e a ausência de cursos de águas perenes. Assim nasce a povoação de Fátima, que não tinha esse nome no início. Começou como Monte Alverne, Mocó, Feirinha, Vila de Fátima, e, por fim, Fátima, nome dado em homenagem ao padre Renato Galvão, muito considerado na localidade e devoto de Nossa Senhora de Fátima.

Se o nome Fátima foi consolidado, era de se esperar que a padroeira da cidade fosse Nossa Senhora de Fátima. Só que não. Duas senhoras católicas são as responsáveis por este detalhe: Isaura Borges e Nenê Veríssimo. Elas ficaram encantadas com a história de vida de São Francisco de Assis e convenceram a todos para que o santo fosse consolidado como padroeiro. Em meados do século XX, a povoação crescia com potencial de cidade. Foi aí que nasceu o distrito criado com a denominação de Fátima, pela Lei Estadual nº 628, de 30 de dezembro de 1953, subordinado ao município de Cícero Dantas. Mais de trinta anos depois, Fátima é elevado à categoria de município, pela Lei Estadual nº 4.413, de 1º de abril de 1985, desmembrado de Cícero Dantas, composto de apenas um único distrito. A instalação ocorreu em 1º de janeiro de 1986, com a posse dos seus primeiros vereadores e do 1º prefeito, João Maria de Oliveira, o grande batalhador pela emancipação do município.

Fátima hoje é servida por três rodovias estaduais: BA 084, que segue para Heliópolis e Adustina; BA 220, com destino a Paripiranga e Cícero Dantas; e BA 392, que passa no povoado Caruaru, com destino a Antas e Adustina. O município tem ainda várias localidades importantes. Além de Caruaru, há os povoados de Serra Velha, Belém de Fátima, Pau de Colher, Panelas, Bonfim, Tabua, Bananeira e Capim Duro. Por falar nisso, o povoado Capim Duro já passou da hora de virar um distrito, o mesmo ocorre com os povoados de Caruaru/Bananeira, separados por apenas 500 metros. Já a povoação de Belém de Fátima, em breve será um bairro da cidade. Menos de 1 km separa as duas vias urbanas.

Os Fatimenses têm sofrido menos nos últimos anos. Depois de uma era de escândalos, os tempos mais próximos têm proporcionado certa tranquilidade e progresso. Mas nada foi fácil. Só para se ter uma ideia, de 2015 a 2020, das 6 contas prestadas pelo município, 5 foram reprovadas pelo TCM – Tribunal de Contas dos Municípios. E olhem que o tribunal é quase uma mãe para os prefeitos. Recentemente, o município recebeu uma escola de ensino médio integral, com 12 salas de aula. Sabemos que já está precisando de ampliação, mas a estrutura é adequada para um povo que sempre gostou de estudar. A BA 084, com destino a Heliópolis, finalmente está sendo asfaltada. Além disso, nos últimos anos, Fátima recebeu obras significativas e que está ajudando a colocar a cidade num patamar aceitável, dando melhor qualidade de vida ao seu povo.

Mas um capítulo especial de Fátima são seus professores, artista e escritores. Para comemorar os 40 anos do município, aconteceu em abril deste ano a 9ª Noite Cultural: Saberes Sertanejos, realizado na Praça de Eventos. Se estivesse vivo, Vando Reis estaria lá com seu violão, mas compareceu Érika Sá, Kadu Jazz e mais outros artistas locais, ao lado de Oswaldo Montenegro, Raimundo Sodré e Maviel Melo. E há também representante nas artes plásticas. Trata-se de Antônio Andrade, professor de artes da rede estadual, que agora também trabalha com xilogravura. Ele tem um atelier na cidade e é um apaixonado pela pintura e pela educação. Mas, e os escritores? Há escritores em Fátima? Sim, e muitos. Vamos começar pelo professor de História Moisés Reis, Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor de Manual Didático do Professor de História , O Nazista, Fátima: Traços da sua Histórias, O Embaixador da Paz, Maria Preta: Escravismo no sertão baiano, Últimos Cangaceiros, Justiça, prisão e liberdade – da HQ Histórias do Cangaço e do documentário Identidade Fatimense. Mas Moisés não está só nesta história. Temos o poeta Mauricio Ramonnd, professor e coordenador pedagógico nas horas vagas e pensamento ligado o tempo todo no fazer poético. Escreveu Prosa Poética Impura, Em Descoberto, Toda Poesia Será Perdoada, Acontecimentos, Efêmera Calmaria e Pequenas Verdades Distraídas. Parou por aí? Não. Tem o professor Marcos José no meio do caminho. Professor de Língua Portuguesa da rede estadual desde 1992, pesquisador nato, curioso por excelência. Andou mergulhado num projeto sobre Os Sertões, de Euclides da Cunha e agora pesquisa sobre cinema. Está lançando Na Terra do Sol – um canto agônico no cinema baiano. O livro foi lançado esta semana na Universidade Federal de Sergipe, na Vila do Conde e foi lançado sexta-feira, 19 de dezembro, na Divina Pizzaria, em Cícero Dantas.
