Crônica

O grito e o silêncio como armas favoráveis aos poderosos

                                                                                                                                                                      Landisvalth Lima

O uso das leis para proteção de uma elite virou algo comum tanto no Brasil como nos Estados Unidos. (Foto: EBC)

Toda vez que se questiona o comportamento de certas elites, uma parte da sociedade, por vários motivos, tem comportamento incomum, desde um grito até o silêncio. Mexer com os poderosos no Brasil é carta certa de conflito, mesmo que com a aplicação rigorosa da Lei. Parece isso indicar que as leis brasileiras foram feitas para uso dos poderosos contra seus inimigos. O que não se imaginava é que tal comportamento chegasse a um nível internacional, envolvendo a maior economia do mundo. Tudo isso por causa de um grupo político supostamente antissistema, de viés supostamente nacionalista, que, no fundo, só queira mesmo permanecer no poder depois de ter tido a oportunidade de, pelo voto popular, organizar o sistema do país.

O jantar promovido pelo presidente Lula com ministros do STF na noite de quinta-feira (31/7), no Palácio da Alvorada, foi marcado por um forte gesto de solidariedade institucional e defesa da soberania nacional. Estavam presentes os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso (presidente do STF), Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Edson Fachin. Cinco não compareceram: Carmem Lúcia, Nunes Marques, André Mendonça, Luiz Fux e Dias Toffoli. Razões das ausências são desconhecidas. Marcaram presença ainda Ricardo Lewandowski (Justiça), Jorge Messias (AGU) e Paulo Gonet (PGR). O objetivo do encontro foi demonstrar apoio a Alexandre de Moraes, alvo de sanções dos EUA com base na Lei Magnitsky, reforçando a independência do Judiciário brasileiro diante da pressão internacional. Na oportunidade, discutiram reações às sanções e ao tarifaço imposto pelo governo Trump sobre produtos brasileiros. De cara, Alexandre de Morais não aceitou que o governo brasileiro entrasse com ações contra a decisão do governo Trump em relação às sanções ao ministro. Moraes afirmou estar tranquilo e que seguirá normalmente sua atuação no STF.

Se as taxas impostas pelo governo americano ao Brasil são absurdas, coisa é a aplicação das sanções ao Ministro Alexandre de Morais. O ineditismo está no fato de que é a primeira vez que um ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil é alvo direto da Lei Magnitsky, uma legislação americana voltada para punir estrangeiros acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. E tudo isso para supostamente salvar da cadeia um ser desumano, que imitou jocosamente pessoas sofrendo com Covid-19 e pregou matar 30 mil pessoas, dentre tantas outras atitudes bestiais ao longo de sua carreira política.

A Lei Magnitsky foi aplicada a uma alta autoridade judicial. Nunca antes um membro do STF havia sido sancionado por um governo estrangeiro com base nessa lei. Mesmo sem condenação judicial nos EUA, as sanções foram aplicadas por ato administrativo, o que mostra o uso político da lei para supostamente beneficiar amigos do presidente americano. Tanto foi assim que o governo americano alegou que Moraes autorizou detenções arbitrárias e suprimiu a liberdade de expressão, citando decisões relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a empresas de mídia social dos EUA. O impacto é apenas simbólico. Embora Moraes não tenha bens ou contas nos EUA, a medida tem peso político e diplomático, afetando relações entre os países e gerando reações institucionais no Brasil.

Essa ação também reacende debates sobre soberania judicial, interferência internacional e os limites da jurisdição extraterritorial. Na justiça americana, a decisão de aplicar a Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes pode gerar efeitos jurídicos e políticos relevantes — inclusive questionamentos sobre a legalidade e legitimidade da medida. William Browder, criador da Lei Magnitsky, afirmou que o uso da lei contra Moraes é uma deturpação de sua finalidade original, que visa punir violadores graves de direitos humanos e corruptos em larga escala. Ele acredita que há fortes argumentos para que a decisão seja anulada nos tribunais americanos, por ter sido usada com motivação política e não com base em evidências claras de violação de direitos humanos. Por causa de um poderoso, que queria suprimir direitos humanos com um golpe de estado, um ministro é sancionado porque aplicou a lei.

Por causa das bestialidades bolsonaristas, a medida pode comprometer a integridade da própria Lei Magnitsky, tornando-a vulnerável a questionamentos em casos legítimos futuros. Juristas apontam que o uso da lei nesse contexto pode abrir espaço para ações judiciais de Moraes nos EUA, caso ele deseje contestar a sanção como pessoa física. A decisão já provocou reação do governo brasileiro, que classificou a sanção como interferência indevida na Justiça nacional. Além disso, a taxação imposta a produtos brasileiros vai gerar desemprego e enormes prejuízos, só para evitar que um homem pague pelos seus erros.

Se compararmos os casos em que a Lei Magnitsky foi aplicada, é de fazer corar qualquer pessoa de bom senso. No caso original, Sergei Magnitsky sofreu tortura e morte sob custódia após denunciar corrupção. A lei também foi aplicada a autoridades de Xinjiang, na China, por genocídio contra os uigures, num caso claro de repressão étnica sistemática. Houve ainda aplicação contra o caso Jamal Khashoggi, na Arábia Saudita, no assassinato de jornalista, em nítida violação grave de direitos humanos. A lei foi aplicada a Horacio Cartes e Hugo Velázquez, no Paraguai, por corrupção institucional, num governo com histórico de irregularidades. Por fim, vale citar a aplicação da lei contra Ángel Rondón Rijo, da República Dominicana, em relação aos subornos ligados à empresa brasileira Odebrecht, num caso de corrupção empresarial transnacional.

É um absurdo imaginar que o comportamento do ministro Alexandre de Morais na corte brasileira tenha qualquer relação com violações dos direitos humanos. A Lei Magnitsky poderia ser aplicada contra Jair Bolsonaro por pregação ideológica contra os direitos humanos, inclusive por sua devoção ao Golpe Militar de 1964, patrocinado pelos Estados Unidos. Moraes é ministro de uma democracia consolidada, sem histórico de violações sistemáticas de direitos humanos. A sanção foi aplicada por decisões judiciais validadas pelo colegiado do STF, o que difere de ações unilaterais típicas dos regimes autoritários. Apesar de haver dificuldades para que os bons elevem suas vozes contra as injustiças, a Transparência Internacional classificou a medida como “alarmante e inaceitável”, apontando uso político da lei e duplo padrão na escolha dos alvos. Enfim, o caso brasileiro é visto por especialistas como uma anomalia na aplicação da Lei Magnitsky, que historicamente tem sido usada contra regimes autoritários e abusos sistemáticos.

Quando uma elite política ou econômica faz uma idiotice qualquer, não falta quem a defenda com gritos ou com o silêncio. Os que gritam deturpam leis, invertem a ordem das coisas, criam vilões e mocinhos completamente fora do padrão ético ou moral comum. Pior, há defensores! Estes agem por conveniência, por paixão ou ódio, sem falar daqueles que agem por inocência, deslocados de quaisquer conhecimentos sobre o assunto. Mas a maior ajuda que este equívoco recebe é o silêncio dos bons, daqueles que sabem que está tudo errado, mas que não querem se comprometer por algum motivo ou estão cansados de apontarem os erros do mundo.

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