Política

O prefeito cassado por compra de votos e as relações com o caso de Heliópolis

Contendas do Sincorá. (Imagem: Rey da Roça/YouTube)

Contendas do Sincorá é um município localizado na região centro-sul da Bahia que cresceu com a chegada dos ferros da Leste Brasileiro e ganhou independência em 1961, separando-se de Ituaçu. O nome Contendas vem da discordância entre dois engenheiros sobre a implantação da estrada de ferro e o Sincorá vem da serra e do rio presentes na região. Nesta cidade de cerca de apenas 4.500 habitantes, trava-se uma guerra política que vem desde 2012 entre Margarete Pina e Ueliton Valdir, o Didi. Em 2012, Didi, pelo PR, venceu a então vereadora do PCdoB, Margarete. Em 2016 travaram nova disputa e Didi foi reeleito prefeito de Contendas do Sincorá. Em 2020, Margarete disputou mais uma vez, agora pelo PROS, e ganhou, mas não de Didi. O candidato derrotado foi Joadão, do PP. Agora, em 2024, Didi voltou a travar novo duelo com Margarete e venceu por apenas 58 votos, mas a eleição acaba de ser anulada pelo TRE-BA e os vícios do processo eleitoral são idênticos aos de Heliópolis.

Contraprosa estudou detalhadamente o caso da cassação do prefeito de Contendas do Sincorá, Ueliton Valdir Palmeira Souza (Avante), e da vice-prefeita Erica Brito de Oliveira pelo TRE-BA. O caso se destaca por alguns elementos bem específicos e graves que o diferenciam do caso de Heliópolis e de outros episódios semelhantes na Bahia. O caso de Contendas do Sincorá não é diferente do caso de Heliópolis. Se formos colocar na balança, a desbragada compra de votos em Heliópolis talvez seja a mais grave do Brasil, e não é exagero. No caso de Contendas do Sincorá, houve também compra de votos. Foram identificadas transferências bancárias via PIX para eleitores, com valores entre R$ 500 e R$ 2.000, além de entrega de cestas básicas, pagamento de contas de água e energia, e até botijões de gás. Em Heliópolis, só não houve, pelo que sabemos, o pagamento via Pix, que materializa a infração, mas as cifras por aqui chegaram até a R$ 50 mil por voto.

Margarete Pina. (Foto: TSE)

Também em Contendas houve o envolvimento familiar direto. A filha do atual prefeito foi apontada como uma das responsáveis por operacionalizar o esquema, recebendo eleitores em casa e realizando os pagamentos. Em Heliópolis havia um número considerável de compradores de votos, inclusive por valores bem superiores ao de Contendas do Sincorá. Ocorre que lá o juiz baseou a decisão em gravações de áudio periciadas, quebra de sigilo bancário e depoimentos de testemunhas que confirmaram o padrão sistemático de compra de votos. Não tinha como alguém contestar a inexistência do crime eleitoral. Além disso, a margem foi apertada na eleição, já que a chapa foi eleita com apenas 58 votos de diferença, o que reforçou o impacto potencial do esquema sobre o resultado. Por fim, há o fato de que Didi estava disputando com alguém encastelado no poder, com estrutura para rebater o resultado negativo. Didi pode perder o mandato, ficar inelegível por 8 anos e ainda terá que pagar R$ 10 mil de multa, junto com a filha. O caso ainda cabe recurso ao TSE.

Para não ficar apenas na comparação com Heliópolis, vamos lembrar que o abuso de poder econômico e compra de votos não são incomuns na Bahia. Mas porque os casos são parecidos e com resultados diferentes no âmbito da Justiça? Além da interferência política no judiciário, há o chamado “garantismo jurídico”, uma saída que juristas encontraram para justificar suas decisões. Traduzindo para o nosso Português, só é possível vencer os poderosos com documentação detalhada e provas diretas e irrefutáveis. Tem que matar a cobra, mostrar o pau, a cobra morta, testemunhas que viram o fato, com depoimento registrado em cartório, provas documentais válidas e um vídeo mostrando tudo, inclusive com atestado de autenticidade. Além disso, tem que torcer para as provas do lado adversários não sejam tão autênticas. Até porque, na dúvida, vence sempre o poder. Ou seja, uma decisão judicial com convocação de novas eleições só ocorre quando há comprovação de que o resultado foi diretamente afetado pela fraude. O que ocorreu em Heliópolis foi escandaloso, mas é necessário ser preciso ao provar. Só um juiz isento pode decidir sobre os fatos. O juiz garantista decide sobre provas concretas e irrefutáveis.

Mas não vamos ficar apenas nestes dois casos. Veja o de Aramari: Antônio Luiz Cardoso Dantas, o Tonho Cardoso (PSD), teve o mandato também cassado por abuso de poder político e econômico, com campanha claramente favorecida pela gestão anterior, comandada por um sobrinho do prefeito eleito. A estrutura da prefeitura foi usada para abastecer veículos de campanha com combustível público. Não precisa dizer que isso aconteceu em Heliópolis. Todo mundo sabe disso. E aqui foi pior porque as despesas com gasolina nem fizeram parte da prestação de contas do prefeito.

Outro caso foi o de Macarani, que está em andamento e os nomes não foram divulgados. É o chamado “Segredo de Justiça”, peça jurídica que envergonha qualquer democracia. Nesse caso, há também suspeita de compra de votos e abuso de poder econômico, com denúncias que envolvem distribuição de materiais de construção e dinheiro em espécie. Como envolve grana viva, será difícil provar quem pagou e quem recebeu porque a prova testemunhal, mesmo a pessoa dizendo que recebeu o dinheiro, não é relevante. Outro caso é o de Novo Horizonte, também com acusação de compra de votos, com entrega de cestas básicas e dinheiro em espécie. O tribunal não cassou o mandato, alegando que as provas apresentadas eram testemunhais e frágeis, sem gravações ou documentos bancários. Também não houve perícia técnica que confirmasse a autoria dos supostos áudios.

Mas há uma prova robusta que faria qualquer juiz se envergonhar de não anular uma eleição, seja garantista ou o quer que o valha: o número de eleitores. No caso de Contendas do Sincorá, foram 2.082 votos para Didi, 2024 votos para Margarete, 16 votos em branco, 84 nulos e 358 abstenções. Total de 4.564 eleitores. Em 2022, a população do município era de 4.333 pessoas. Está claro que houve o inchaço do eleitorado que beneficiou alguém. É o caso de anulação do pleito e revisão do eleitorado em qualquer nação que preze pela democracia. Em Heliópolis, só para lembrar, a população em 2022 era de 12.309 habitantes. O número de eleitores em 2024 foi de 12.948, entre eles, inclusive, índios. Todo mundo sabe que não existem mais índios residentes em Heliópolis. Precisa-se de mais alguma garantia para anular a eleição?

Então, vamos considerar que os principais critérios jurídicos e políticos que o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) costuma considerar ao julgar ações de cassação de mandato por abuso de poder econômico, político ou compra de votos não é o fato em si, mas como a coisa é provada documentalmente. Isso ajuda a entender por que casos semelhantes podem ter decisões diferentes e faz a gente acreditar que há Justiça na Bahia. Ou seja, é uma mensagem que dá esperança para que aqueles que transformaram a política num grande negócio continuem a fazê-lo. É preciso, entretanto, fazer bem feito, sem deixar rastros visíveis dos crimes que não possam ser, no mínimo, semeados com a malícia da dúvida.

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