Um Lugar no Sertão

São Raimundo Nonato – Piauí

Monunmento às Onças-pintadas em São Raimundo Nonato. (Foto:Landisvalth Lima)

Contraprosa tem a honra de apresentar aos seus leitores/telespectadores a história de uma cidade ultra encantadora: São Raimundo Nonato, localizada no sudoeste do Piauí. Sua história mistura colonização, conflitos indígenas e desenvolvimento cultural, científico e econômico. Já começa pelo santo que deu nome à cidade, pouco comum no Nordeste brasileiro. São Raimundo Nonato nasceu com dificuldades imensas para sua época. O “Nonato” significa “não nascido”. Na verdade, ele foi arrancado das entranhas da mãe já falecida. Por isso é invocado como patrono e protetor das parturientes e das parteiras.

A cidade de São Raimundo Nonato ainda preserva seus casarões históricos. (Foto:Landisvalth Lima)

A cidade de São Raimundo Nonato é um centro regional e o município tem uma área territorial de 2.415,288 km², abrigando uma população no último censo de 2022 que totalizou 38.934 pessoas, perfazendo uma densidade demográfica de 16,12 habitante por quilômetro quadrado. Faz limites com os municípios de Brejo do Piauí, João Costa, Fartura do Piauí, Coronel José Dias, São Lourenço do Piauí, São Braz do Piauí e Bonfim do Piauí. É servido por três grandes rodovias: a PI 144, a BR 324 e a BR 020. Fica a 75 Km de Campo Alegre do Lourdes-Ba, 100 km de Remanso-Ba e distante da capital Teresina por 536 km. Sua população estimada para 2024 foi de 40.784 pessoas.

A Igreja Matriz dedicada ao santo que dá nome à cidade. (Foto:Landisvalth Lima)

A região onde hoje está o município de São Raimundo Nonato era originalmente habitada por indígenas da tribo dos tapuias, que viviam em aldeamentos ao longo do vale do Rio Piauí, que hoje passa no centro da cidade e se encontra com as rodovias. As terras passaram às mãos do sertanista português Domingos Afonso Mafrense. Após sua morte, as fazendas foram doadas aos jesuítas, que construíram o Sobrado da Conceição, marco inicial da ocupação luso-brasileira. Mas nada disso ocorreu sem conflitos. Colonos e aventureiros entraram em atritos com os indígenas, culminando em uma campanha de conquista liderada pelo comandante José Dias Soares. D. João Amorim Pereira, governador da Capitania do Piauí na passagem do século 18 para o 19, ordenou a Zé Dias que conquistasse a região do atual município de São Raimundo Nonato, e dividisse as terras ocupadas entre os integrantes de sua tropa. A expedição de José Dias durou cerca de oito anos, enfrentando resistência indígena e dificuldades geográficas. Além disso, houve tentativas de catequização, mas uma revolta indígena durante a distribuição de alimentos resultou em mortes e na migração dos tapuias do rio Piauí para o Rio Tocantins.

A arqueólogo Niède Guidon foi quem revelou São Raimundo Nonato para o mundo. (Foto:Fumdham)

Vencidos os índios, veio a pacificação e o iniciou do povoamento com a criação de fazendas e feiras semanais, especialmente no povoado de Jenipapo, primeiro nome do lugar. A povoação cresceu e o Decreto da Regência do Império, em 1832, São Raimundo Nonato foi elevado a distrito eclesiástico, com sede no lugar denominado Contusões. Foi transferido em 1836 para Jenipapo, onde prosperava um núcleo dedicado à lavoura e à pecuária. Elevado à categoria de vila, com a denominação de São Raimundo Nonato, pela Resolução Provincial nº 257, de 09 de agosto de 1850, desmembrado dos municípios de Jaicás e Jerumenha. Constituído do distrito sede, foi instalado em 04 de março de 1851. Portanto, o município de São Raimundo Nonato fará agora em agosto exatos 175 anos de sua criação.

Pedra furada na Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato. (Foto:Fundham)

Ao longo destes anos, vários distritos foram criados no seu território e também viraram municípios. São os casos de Caracol, João Alves e Curral Novo. Hoje, São Raimundo Nonato tem apenas o distrito sede e abriga um dos maiores patrimônios da humanidade: o Parque Nacional da Serra da Capivara, um dos mais importantes sítios arqueológicos do Brasil, com pinturas rupestres que datam de mais de 25 mil anos. Importante também é visitar o Museu do Homem Americano, que estuda as origens da ocupação humana nas Américas.

Parque da Serra da Capivara. (Foto:Casal Nômade)

O Parque Nacional da Serra da Capivara é um verdadeiro tesouro arqueológico e natural do Brasil. Suas descobertas têm revolucionado o entendimento sobre a presença humana nas Américas. Pinturas rupestres com até 25 mil anos, retratam cenas de caça, danças, rituais e cotidiano dos povos pré-históricos. Há no Sítio Boqueirão da Pedra Furada, considerado um dos mais antigos das Américas, indícios de ocupação humana que podem chegar a 48 mil anos. Não se pode deixar de citar as sepulturas na Toca do Paraguaio: dois esqueletos humanos datados de cerca de 9 mil anos, com evidências de rituais funerários e ferramentas feitas de pedra.

Além da questão da história, temos a questão da biodiversidade. São onças-pintadas sendo acompanhadas por colares de monitoramento, e já foram identificados pelo menos 11 indivíduos delas. No entroncamento rodoviário, próximo ao Posto Mania, há um monumento a estas onças. Também há lagartos raros da caatinga, como o Tropidurus semitaeniatus e o Tropidurus helenae, catalogados em pesquisas recentes. As descobertas desafiaram a teoria tradicional de que o homem chegou às Américas há cerca de 15 mil anos pelo Estreito de Bering. E a responsável por esta sacudida científica foi a arqueóloga Niède Guidon, falecida há 37 dias, em 4 de junho deste ano, aos 92 anos, em São Raimundo Nonato. Ela foi uma das mais importantes arqueólogas do Brasil, conhecida mundialmente por seu trabalho no Parque Nacional da Serra da Capivara, que revolucionou, pois, o entendimento sobre o povoamento das Américas. Niède defendeu que a ocupação humana na região é muito mais antiga, o que gerou debates internacionais.

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Vale ainda dizer sobre Niède Guidon que ela foi a principal responsável por revelar ao mundo o Parque da Serra da Capivara, local que abriga mais de 1.500 sítios arqueológicos, sendo o maior conjunto de arte pré-histórica a céu aberto do mundo. Essas descobertas não só colocaram o Piauí no mapa da arqueologia mundial, como também inspiraram iniciativas culturais como a Ópera da Serra da Capivara, que celebra a história e a natureza da região. E não foi só o turismo que se consolidou com o parque. A Serra da Capivara fez a cidade crescer em todos os setores, inclusive na administração pública, hoje o maior empregador do município, com destaque para serviços ligados à defesa e seguridade social. Cresceu também o comércio varejista, desde lojas, mercados e pequenos negócios que movimentam boa parte da economia local. E, claro, não podia faltar a agricultura e a pecuária, com destaque para a produção de mandioca e a criação de galináceos, itens de maior valor na agropecuária da região. Por fim, o Parque da Serra da Capivara fez crescer a presença de microempresas e empreendedores individuais, o que mostra um dinamismo interessante no setor de serviços e comércio.

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